Em termos de protestos, esse foi minúsculo: somente um punhado de pessoas se reuniu pacificamente em um prédio condenado que, para eles, não deveria ser derrubado. Porém, em um lugar onde a discordância é rara, a manifestação foi vista como ousada, quase radical.
Além de fútil, pois o protesto era voltado contra uma empresa controlada pela entidade que domina tudo por aqui: a família real de Mônaco.
— Não existe nada, de verdade, que alguém possa fazer — , afirmou Elizabeth Wessel, estilista de moda que se opõe à demolição do Sporting d’Hiver, de 81 anos, antigo clube de apostas e um dos últimos prédios art déco remanescentes da região, para dar lugar a um grande empreendimento apoiado pelos interesses comerciais da família real.
Claude Rosticher, pintor de 77 anos que organizou a manifestação de setembro, disse que — o principado sempre tem a última palavra —
Mônaco parece o mais benigno dos lugares, uma fatia da irrealidade na Riviera Francesa com menos de 2,5 quilômetros quadrados e uma população de aproximadamente 36 mil pessoas, renda per capita superior a US$ 150 mil e índice de desemprego nulo. Lar de uma série de estrangeiros muito ricos interessados em privacidade que foram atraídos pelo clima agradável e pela política ainda mais afável de não cobrar imposto de renda, o país é governado como uma espécie de ditadura consensual pelo príncipe Albert II, ex-playboy de 55 anos de idade, que assumiu o comando após a morte do pai, príncipe Rainier, em 2005.
Albert é bastante rico – dois anos atrás, a revista “Forbes” estimou sua fortuna em cerca de US$ 1 bilhão – e ele e sua família são descritos nas revistas de fofoca como cheios de glamour e levemente misteriosos. Os monegascos o descrevem como afável. De tempos em tempos, o príncipe se mistura aos súditos, mas eles também parecem relutantes em questionar suas políticas publicamente, ao ponto da paranoia.
Não é sensato criticá-lo pessoalmente. Em novembro, um homem de 23 aos foi condenado no tribunal por insultar a família real no Facebook (ele recebeu uma sentença de oito dias, depois suspensa). Em 2011, um residente de 50 anos foi sentenciado a seis dias de prisão por “desonrar a monarquia” depois de – bêbado – fazer comentários nada lisonjeiros sobre o príncipe em um bar.
Em poucas áreas a autoridade do Estado é mais sentida do que em termos imobiliários, questão crucial em um local superlotado onde a única forma de crescer é para cima e a única maneira de construir algo novo é substituindo algo velho.
O setor de construção civil está em expansão em Mônaco nos últimos 20 anos, com construções tradicionais – do Sporting d’Hiver a mansões – sendo demolidas para dar lugar a arranha-céus chiques amados pelos oligarcas russos.
Muitos grandes projetos daqui estão ligados à Société des Bains de Mer de Monaco (SBM), força dominante do principado no setor de entretenimento. A SBM é a dona de muitas das propriedades mais caras; são 33 restaurantes, cinco cassinos, quatro hotéis e o Sporting d’Hiver, para começo de conversa. Albert e familiares têm 69 por cento do seu controle.
Maior empregador de Mônaco, com 3.700 funcionários, a SBM já começou a demolir o Sporting d’Hiver, onde antes eram realizados os bailes de caridade mais cintilantes do principado. O prédio será substituído por um amplo complexo de escritórios, apartamentos de luxo e butiques refinadas, em um projeto do arquiteto britânico Richard Rogers.
Quando o plano veio a público, os críticos tentaram impedir. “De repente, foi anunciado pela SBM o que eles pretendiam fazer”, contou Molly Brown, antiga residente que se opõe ao projeto.
No vizinho Hôtel de Paris, de propriedade da SBM, que deve ser fechado e reformado parcialmente, os empregados deixaram os postos em uma greve de uma hora durante o último verão do Hemisfério Norte.
Os interessados na preservação pressionaram os legisladores no Conselho Nacional, como o Legislativo é conhecido. Eles também escreveram artigos furiosos, realizaram reuniões públicas e deram início a uma petição que atraiu mil assinaturas, mas nada funcionou.
— Nós sabemos que existe somente um chefe — , afirmou Eric Elena, integrante do Conselho Nacional.
Apesar do posto de supervisor do principal cassino de Mônaco, também de propriedade da SBM, Elena se manifestou no começo do ano contra a demolição do Sporting d’Hiver. Ele foi um dos três parlamentares a se opor.
Contudo, mesmo com o apoio de todos os seus colegas, poucas coisas eles poderiam fazer no segundo menor Estado independente do mundo, atrás somente do Vaticano. Em primeiro lugar, o Legislativo somente é eleito por monegascos nativos, perto de um terço da população. Além disso, o Conselho Nacional não questiona o poder em si, somente oferece conselhos ao príncipe e ao governo (indicado pelo príncipe).
Entretanto, mesmo quando os monegascos reclamam da falta de nuances democráticas, eles exaltam as muitas virtudes de Mônaco – ruas cintilantes, altos salários, sistema de saúde generoso, taxa de crimes desprezível e uma política severa que impede a residência das pessoas cujas contas bancárias, por exemplo, não atenderem o exigido pelas autoridades.
Muitos residentes acreditam que — estão sendo sufocados aqui — e — não têm nenhuma liberdade — , disse Elena. Todavia, ele acrescentou: — Em termos de padrões de vida, Mônaco ultrapassa todos os outros países —
Roger-Louis Bianchini, jornalista aposentado que trabalhou no diário “Nice Matin” e que escreveu muito ao respeito de Mônaco, se expressou da seguinte forma: — Não é uma ditadura, mas ao mesmo tempo as pessoas têm medo de tomar o poder. Elas não o tomam por medo de perder os benefícios —
Diretor imobiliário da SBM, Daniel Lambrecht, afirmou durante entrevista em seu escritório, decorado com uma fotografia gigante de Albert e a esposa, princesa Charlene, no dia do casamento, que simpatizava com os manifestantes, até certo ponto. No entanto, ele também disse que o novo projeto fazia sentido econômico.
— Eu respeito suas emoções, mas elas são subjetivas, não objetivas. —
Em Mônaco, não faz bem ficar irritado com a SBM por muito tempo. No verão passado, a empresa realizou o banquete por seus 150 anos para 500 pessoas “leais ao principado”, segundo o site do chef Alain Ducasse, que atendeu o evento como “Jantar na relva”, uma reinterpretação (e um novo nome) à famosa obra de Édouard Manet, pintada no mesmo ano da fundação da companhia.
Todas as pessoas importantes estavam lá, até mesmo quem critica o príncipe nos círculos privados; Albert compareceu e acenou à multidão. Foi mais um exemplo claro de como Mônaco pode parecer uma grande família, com todos os compromissos que isso acarreta.
Fonte: Zero Hora / The New York Times