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A construção empurra o PIB

Ao fim de 2012, a sensação era de que a atividade econômica brasileira não conseguiria gerar nada além de um “pibinho”. Ainda assim, a construtora paulista MBigucci tinha motivos para estar otimista. Em praticamente uma semana, todas as unidades de um empreendimento misto — residencial e comercial — lançado em outubro daquele ano, em São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista, se esgotaram. Era o prenúncio de obras nos anos seguintes para a MBigucci e para dezenas de outras construtoras responsáveis por milhares de lançamentos imobiliários em 2013. Somente no segmento de shopping centers, há 41 unidades que serão entregues neste ano, em todo o País. Marcelo Bigucci, diretor da MBigucci: “Com Copa e Olimpíada, há uma maior motivação com o País e maior interesse do investidor estrangeiro” Além disso, saiu do papel mais uma leva de concessões de infraestrutura do governo Dilma Rousseff, o que garante à construção civil a condição de motor do crescimento do PIB em 2014.

O setor de construção deve crescer 3,2% no ano, ante 2,2% em 2012, projeta a LCA Consultores. Com isso, deve movimentar R$ 255 bilhões e ajudar a levantar o PIB, que teve expansão de apenas 1% em 2012 e de 2,3% no ano passado, segundo projeções do mercado compiladas pelo boletim Focus, do Banco Central (BC). Os números da LCA, se confirmados, indicam que está dando certo a estratégia do governo de mudar o perfil do crescimento da economia brasileira. Cada vez mais, os investimentos em projetos de longo prazo, que geram desenvolvimento, estão sustentando o PIB e tomando o lugar do consumo como âncora do crescimento. Em 2012, por exemplo, enquanto o consumo das famílias cresceu 3,1%, o investimento caiu 4,0%. Em 2013, nas contas da LCA, o governo virou esse jogo, com alta de 5,8% nos investimentos e de apenas 2,5% no consumo. Tudo indica que, ao tirar o foco do comércio movido a crédito e a estímulos tributários e entrar na era dos canteiros de obras, o Brasil aumentou suas chances de crescer de forma mais saudável nos próximos anos. “Os investimentos em infraestrutura são o caminho para o País crescer mais forte”, diz José Carlos Martins, vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic). O governo federal parece não querer perder a oportunidade. “Cuidamos da renovação da infraestrutura, com fortes investimentos governamentais e privados, baseados no sistema de concessões ao setor privado e que está ganhando ritmo acelerado”, disse a presidenta Dilma, no mês passado.

Para continuar nesse ritmo, a equipe econômica busca formas de estimular o investimento, do qual a construção é um dos pilares, ao lado de máquinas industriais, agrícolas e caminhões (leia reportagem aqui). No caso específico da construção, os resultados da virada já começam a aparecer. Um bom indicativo é o número de lançamentos feitos durante o ano passado. Dentro do prazo: Müssnich, do aeroporto de Viracopos, diz que as obras de R$ 2,5 bilhões estão em ritmo acelerado Apenas na região metropolitana de São Paulo, a Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp) contabilizou 576 empreendimentos até novembro, o melhor desempenho dos últimos cinco anos. Nesse mercado, a lógica de planejamento é simples: um lançamento bem-sucedido garante obras nos próximos dois ou três anos.

O que tem ajudado as empreiteiras que trabalham nos segmentos comercial e residencial é a manutenção da renda e do emprego das famílias. Apesar de o crescimento do PIB não ter decolado nos últimos anos, a estabilidade macroeconômica dá tranquilidade para as pessoas buscarem crédito imobiliário, com prazos de até 35 anos. A MBigucci aposta em obras de uso misto, com unidades residenciais e comerciais em pontos com boa infraestrutura de transporte público, para continuar a vender e crescer. “Com Copa do Mundo e Olimpíada, há uma maior motivação com o País e maior interesse do investidor estrangeiro”, diz Marcelo Bigucci, diretor de marketing da empresa, que tem receita anual de R$ 220 milhões. De uma forma geral, as construtoras que trabalham em áreas metropolitanas sabem que a questão da mobilidade tem sido importante para os potenciais clientes, o que tem justificado a venda rápida de imóveis de uso misto. Ao final do ano passado, a MBigucci deu início à segunda fase do empreendimento lançado em 2012, com 80% das unidades vendidas rapidamente. “Não foi vendido integralmente em uma semana, mas ainda assim é um resultado muito bom”, diz Bigucci. Otimista, o executivo afirma que as obras poderiam andar em um ritmo mais rápido se a burocracia fosse menor. Além do alvará de construção, as incorporadoras precisam lidar com autorizações de outros agentes públicos, como as concessionárias de água e luz, e isso atrapalha a execução do empreendimento.

Dificuldades à parte, há três fatores que justificam a expansão da construção civil. O primeiro, já mencionado, é o êxito dos lançamentos de edificações residenciais e não residenciais no ano passado. “As vendas e os lançamentos tiveram uma aceleração e isso vai se refletir no desempenho do segmento”, diz Carolina Sato, economista da LCA. Além disso, tradicionalmente, anos eleitorais são mais aquecidos (leia quadro na próxima página), uma vez que há um prazo máximo para a contratação das obras públicas. Por fim, as concessões realizadas no ano passado devem começar a sair do papel, ajudando a acelerar o setor. As obras de infraestrutura, segundo a economista, são responsáveis por cerca de 43% do PIB do setor — as edificações, por 36%; e os serviços especializados, por 21%.

No caso das concessões, um bom exemplo de obras em ritmo acelerado é o aeroporto de Viracopos, em Campinas. A concessionária Aeroportos Brasil assumiu a gestão em fevereiro do ano passado com a obrigação de entregar um novo terminal de passageiros, um edifício garagem e melhorias dos acessos viários, entre outras exigências, até maio de 2014. “São obras vultosas executadas em um prazo pequeno”, diz Gustavo Müssnich, diretor de engenharia da Aeroportos Brasil. “Tem de trabalhar em um ritmo além do que seria normal.” Ainda assim, ele garante que todo o investimento, de R$ 2,5 bilhões nessa primeira etapa, será entregue no prazo, uma vez que 80% do planejado já está pronto.

Assim como ocorre em Viracopos, Guarulhos e Brasília — os três aeroportos concedidos em 2012 –, a execução acelerada dos projetos está prevista para os terminais do Galeão, no Rio, e Confins, em Belo Horizonte, licitados no fim do ano passado. Também não será diferente nas cinco rodovias que foram alvo de concessões nos últimos meses e nos projetos de infraestrutura dos Estados. Para cumprir os prazos estabelecidos, as obras devem ter início já neste ano. No caso das rodovias, é preciso fazer inicialmente obras emergenciais e concluir ao menos 10% das duplicações ou extensões de vias para começar a cobrar pedágio. É essa busca urgente por receitas que estimula as construtoras a acelerarem os trabalhos. Ao mesmo tempo, os empresários vislumbram oportunidades em outras áreas. “Temos a sinalização de licitações de portos e saneamento”, diz Ricardo Pessoa, presidente da UTC Participações, que registrou receitas de R$ 5 bilhões em 2013. “Isso vai ajudar a manter o nível no setor.”

A empresa é a controladora da Constran, que, além de Viracopos, vai participar das obras do metrô de São Paulo — já que integra o consórcio da Linha 6 paulista. O executivo espera poder replicar a experiência de ser, ao mesmo tempo, investidor e construtor em outros projetos. Ao entrarem como participantes dos consórcios que se habilitam para as concessões de infraestrutura, as construtoras garantem a execução de uma grande obra e receitas por um longo período. “Estamos atentos aos leilões de ferrovias e portos”, diz Pessoa (leia entrevista ao final da reportagem).

A Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda estima que o volume de investimentos gerados pelas licitações de 2013 chegará a R$ 80,3 bilhões, sendo a maior parte executada nos primeiros cinco anos de contrato. O Sindicato da Indústria da Construção Civil (SindusCon-SP) também espera um desempenho do setor em 2014 melhor do que nos dois anos anteriores. Sem saudade: Watanabe, do SindusCon-SP, espera que 2014 seja melhor do que os dois anos anteriores Para o presidente da entidade, Sérgio Watanabe, a perda de ritmo em 2013 se deveu ao maior intervencionismo do governo federal na economia, o que deixou os empresários menos motivados a investir. “O ano passado, assim como 2012, não vai deixar saudade”, afirma Watanabe. A expectativa é de que as concessões e parcerias público-privadas ajudem o setor, principalmente a partir de junho, como resultado dos primeiros negócios do Programa de Investimento em Logística (PIL). “A atividade só deve começar, no mínimo, em seis meses ou mais à frente da data da concessão”, diz Ana Maria Castelo, coordenadora de estudos da construção civil da Fundação Getulio Vargas (FGV), que é parceira do SindusCon nas análises setoriais.

Essa recuperação de infraestrutura, indiretamente, também ajuda o crescimento do setor para além das grandes capitais. Com melhores acessos, as construtoras conseguem diversificar as regiões em que podem atuar. A opção da Rodobens Negócios Imobiliários foi concentrar a sua atuação no interior de São Paulo e no Centro-Oeste. O presidente da empresa, Marcelo Borges, diz que o público principal tem sido o de classe média e o de renda alta e, por atuar em outra região, o perfil do imóvel muda. Se nos grandes centros é a vez das unidades compactas, no interior a demanda é maior por apartamentos de ao menos 80 metros quadrados. “É importante conhecer o perfil do potencial comprador antes de fazer o lançamento”, afirma Borges.

PUXADINHOS Não são apenas os grandes projetos que vitaminarão o PIB do setor. A chamada “construção formiguinha”, que inclui reformas e “puxadinhos” País afora, tem um papel fundamental nas vendas de materiais de construção e de acabamento. Segundo a Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco), o setor crescerá 7,5% em 2014, quebrando o recorde de R$ 57,42 bilhões do ano passado. Essa alta também é justificada pelas vendas de imóveis novos.

Há ainda muitas facilidades financeiras dadas às pessoas físicas que querem investir na casa própria, o que movimenta o mercado. A Caixa, maior agente de financiamento imobiliário do País, tem o cartão Construcard, em que é possível fazer o pagamento do material de construção em até 96 meses. Essa linha terminou 2013 com uma carteira de R$ 8,8 bilhões, alta de 22,5% no ano. Outra possibilidade é acessar uma linha de crédito com recursos do FGTS e pagar em até dez anos. Como se vê, o País terá em 2014 e nos próximos anos canteiros de obras de todos os tipos e tamanhos. Um empurrão e tanto para o PIB alcançar uma trajetória sustentada de crescimento.

Reforma no Minha Casa Minha Vida

A Rodobens Negócios Imobiliários e a MBigucci têm em comum o fato de haverem lançado empreendimentos imobiliários para o Minha Casa Minha Vida há alguns anos e, após a experiência, terem desistido do programa governamental. A justificativa é a mesma: não compensa. As duas empresas elaboraram projetos para a faixa de renda de três a dez salários mínimos e possuíam terrenos disponíveis para novas obras do gênero. No entanto, com a valorização imobiliária, acharam que teriam uma margem muito pequena de lucro, por causa do limite estabelecido para o preço de venda de um imóvel. Por essa razão, preferiram desistir e destinar as áreas a lançamentos com maior potencial de ganho. Ciente das reclamações dos empresários, a presidenta Dilma Rousseff tem o desafio de tornar o programa atraente novamente. O Minha Casa Minha Vida foi lançado em 2009 com o objetivo de estimular o setor da construção em um momento em que havia o risco de maior desaceleração por conta da crise global. De lá para cá, 3,1 milhões de unidades já foram contratadas e 1,4 milhão, entregues. Em uma possível terceira fase do programa — a atual vai até dezembro –, algumas regras devem ser alteradas. Uma delas é a elevação do limite máximo do valor do imóvel, atualmente em R$ 190 mil. Já a faixa máxima de renda familiar, hoje limitada a R$ 5 mil, também pode ser elevada. Além dessas mudanças, há quem defenda uma maior previsibilidade nas regras. O presidente do SindusCon-SP, Sérgio Watanabe, avalia que a falta de definição sobre a continuidade do programa e as suas condições impedem que os empresários se preparem para projetos de maior porte como os executados em outros países. “No México, houve empreendimento com até 10 mil unidades”, diz. Ainda assim, ele admite que o Minha Casa é um programa de sucesso, pois atingiu mais de 3 milhões de famílias e deve chegar a 3,75 milhões até dezembro.

“A construção pesada no País vai muito bem”

Em 1996, o empreendedor baiano Ricardo Pessoa comprou a UTC Participações para prestar serviços ao setor de óleo e gás. Catorze anos depois, assumiu a Constran, que pertencera ao empresário Olacyr de Moraes, com o objetivo de investir mais na infraestrutura do País. Os frutos já começaram a ser colhidos. A UTC é uma das participantes do consórcio vencedor do leilão de concessão do aeroporto de Viracopos, em Campinas, e irá participar da construção e administração da Linha 6 do metrô de São Paulo. Em entrevista à DINHEIRO, Pessoa revela quais concessões despertam sua atenção. Quais são as expectativas da UTC para 2014? As concessões estão saindo. Temos a sinalização de licitações de portos e saneamento. Isso vai ajudar a manter o nível de obras. Há o pré-sal também. Mas é um ano com muitas paradas. Tem Carnaval, Copa do Mundo e eleições. São muitos soluços, como costumo dizer. Então pode ser mais difícil repor a carteira de clientes e parte da renovação pode passar para 2015. Mas essa é uma postergação natural.

E como está a área de construção na UTC?

Hoje o volume de negócios na Constran representa um quarto da nossa receita, que totalizou R$ 5 bilhões em 2013, mas a construtora é muito nova. Está nas nossas mãos há apenas quatro anos. Fizemos uma arrumação e reestruturação na casa para que ela seja capaz de voos maiores.

Um voo como o do aeroporto de Viracopos?

Isso. Somos investidores na concessionária que ganhou a licitação desse aeroporto. E também estamos no aeroporto de Feira de Santana, na Bahia. A construção pesada no País vai muito bem. A priorização da infraestrutura é algo muito bom para nosso negócio.

Como avalia esse modelo em que o grupo participa das concessões como investidor e construtor?

São dois negócios diferentes. Quando se trata de concessão, as construtoras participam da obra, mas também entram como investidoras, algo que não acontecia antes. Temos de nos capacitar para esse novo modelo. A nossa experiência em Viracopos está sendo boa e achamos que vamos conseguir replicá-la em outras concessões.

Em quais concessões a UTC tem interesse em participar?

Estamos de olho em ferrovias, portos e nos aeroportos regionais.

E qual o principal desafio em 2014?

Além das paradas, haverá mudanças em alguns ministérios, o que causa uma inércia. Isso se repetirá com o início de um novo governo, em 2015, mas é natural. No ano passado, a nossa receita cresceu 15% e deve ser igual neste ano, mas o resultado não acompanhou esse ritmo. Estamos tendo aumento de custos e, por isso, nossas margens estão menores.

Fonte: CBIC